Sexta-Feira, 26 de abril de 2024

A Calçada da Fama - Por Sergio David

Publicado em 03/10/2020. https://jornalterral.com.br/t-3BX

Por Sergio David

Na década de 1980 a padaria “São Jorge”, localizada em Vargem Alta, região serrana do Espírito Santo, era considerada o ponto de encontro dos famosos carnavais daquele então distrito. Ali os foliões e nós, os sobrinhos do proprietário, estabelecemos durante anos a sede do Bloco Carnavalesco “Vai quem Quer”.

A padaria fora inaugurada em meados dos anos 1950 pelo meu avô, Felippe David, que acabou por vendê-la para o sobrinho, o árabe João Jorge Abu Dioan, popularmente conhecido como “João Turco”.

A construção era de uma fachada principal com três grandes portas de aço. Na primeira á esquerda funcionava a sorveteria. À direita ficava a pequena mercearia em que se vendia de pneu a pinico, e a parte central era destinada à venda de pães e seus derivados de trigo.

A padaria no todo tinha lá suas peculiaridades. 

A começar pela sorveteria daquelas bem antigas em que a formas de ferro fundido eram submersas em salmoura para o fabrico de picolés. Dado à grande quantidade de furos nas formas, os picolés produzidos eram de qualidade duvidosa e quase sempre de sabor meio doce e meio salgado.

Na padaria propriamente dita, existia grande balcão de madeira colocado à frente de dois enormes tabuleiros. Um para o pão doce e outro para o de sal.

Ao lado do balcão destacava-se um freezer de vidro cuja parte inferior destinava-se ao congelamento da cerveja. Contudo, na parte superior, bem à vista dos clientes, podia-se observar em meio a espessas camadas de gelo e no mesmo espaço: refrigerantes, água mineral, toddynho, iogurte, sacos de leite, pente, espelho, tinta de cabelo, grampo, anzol, diadema, prendedor de varal, batom e até cartelas do perfume Dyrce. Era talvez a única padaria do mundo em que se vendia perfume e batom gelado.

O pão era muxibento e na embalagem do pacote de rosca lia-se: “Rosquinha Amanteigada São Jorge – higienicamente preparadas”, a despeito de o gato da tia Berenice dormir, frequentemente, na mesa da maceira.

Logo atrás do balcão ficava o depósito de trigo. Em todos os carnavais era sempre a mesma ladainha. Comprávamos os fogos de artifícios na própria padaria. Em seguida pontas de cigarro acesas eram inseridas nos pavios dos fogos que, por sua vez, eram colocados, estrategicamente, com as bocas voltadas para as pilhas de sacos de trigo. 

Voltávamos para a batucada e cerca de alguns minutos depois ouvia-se um “Buuuum”: Verdadeiros tsunamis gigantescos de pó de trigo inundavam e branqueavam o  tio, os atendentes  e  todos os clientes da padaria.

Nessas horas o tio se enfurecia e bradava:

Brá fora....brá fora.......todos brá fora.....e não me chamem mais de tio. Ai lá eu num breziza de barentes que esbanta vreguezes.

Éramos expulsos e íamos para o Bar do Irá, que ficava em frente e era o concorrente direto da padaria.

A segunda grade de cerveja consumida no Bar do Irá era o bastante para a volta dos sobrinhos pródigos à sede.

Numa bela manhã de domingo de carnaval, a batucada corria solta na calçada da padaria, quando vimos um cliente comprando um queijo.

Tio João se preparava para pesar e... cadê um dos pratos da balança?

O turco, em meio à confusão, e imaginando que os sobrinhos teriam escondido o prato, não perdeu tempo. Rapidamente e sem que o cliente visse colocou o peso sobre o lado da balança que tinha o prato e o queijo sobre a cruzeta sem prato.

Numa terça-feira de carnaval de 1980, os sobrinhos saíram de madrugada do Montanhês Club e, como de hábito, subornaram o padeiro e entraram pelos fundos da padaria para dormirem nos tabuleiros de pães. 

O gato da tia Berenice dormia sobre um dos leitos. Resolveram assar o felino no forno e convidaram, no outro dia, o turco para, na calçada da padaria, saborear o “coelho assado”. E ele ficou tão contente que até pagou duas cervejas.

Num outro carnaval, o filho mais velho, Jorge, ao atender um cliente deixou inadvertidamente cair quatro pães no chão. O turco tio olhou para os pães... olhou para nós... olhou para os pães... olhou para nós até que depois de alguns minutos abaixou-se, pegou os quatro pães do chão e recolocou no tabuleiro dizendo:

– Se eu num begár, vocês depois vão dizer que eu beguei... Então eu vou begár.

Às vezes passava a impressão de gostar de ser sacaneado. Em plena sexta-feira de carnaval de 1982, quando os sobrinhos chegaram à padaria, encontraram cavaletes de madeira circundando a calçada toda refeita com cimento fresco. Em meio aos cavaletes, uma pinguela de tábua sobrepunha a calçada para dar acesso aos clientes ao interior da padaria. 

O primo Felippe, conhecido como Pipão, então quintanista de medicina e o líder das traquinagens, rapidamente retira os cavaletes, arranca a pinguela, convida e induz todos os demais primos e foliões. Abaixam-se, então, as calças e imediatamente aparece escrito, no cimento fresco da calçada, entre marcas de diversas nádegas:

“Pipão”, “Rico”, “Pipinho”, “Serginho”, “Ulisses”, “Lelo”, “Demetrius”, “Bidú”, “Zeca”, “Cacá”, “Zezé”, “Babau”, “Feijão”, “Jardelzinho”, “Luís Botinha” e “Demí Margoso”. Estava inaugurada e imortalizada na padaria “São Jorge” a famosa

“Calçada da Fama”.

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