Quinta-Feira, 25 de abril de 2024

As revelações do jornalista Zenilton Custódio

Publicado em 14/04/2021. https://jornalterral.com.br/t-w8W

 

 

Fotos: Arquivo TERRAL

Zenilton Custódio: longa jornada profissional e muitas aventuras nas trincheiras do jornalismo

 

Por Daniel Porto

 

Atualmente dividido entre a região de Povoação e a sede de Linhares, o jornalista Zenilton Custódio teve o privilégio de transitar profissionalmente entre o regime militar e a democracia; entre a máquina de escrever e o computador.

A longa jornada lhe rendeu muitas histórias e uma experiência digna de ser explorada. Por essa razão, o TERRAL fez questão de conhecer um pouco de sua história, opiniões e aventuras nas trincheiras do jornalismo. Leiam a entrevista:

 

TERRAL – Como começou no jornalismo?

ZC – Sou formado em eletrotécnica pela antiga Escola Técnica Federal. Tinha um bom emprego na extinta Telest quando, para decepção de meu pai, que trabalhava na mesma empresa, decidi pedir demissão com o propósito de estudar para o vestibular de Comunicação (Jornalismo) na Ufes.

Isso foi no finalzinho dos anos de 1970. Fui aprovado e, logo no primeiro semestre, o jornal A Tribuna convidou alguns estudantes da área para um teste. Fui o único aprovado e iniciei ali a minha carreira como repórter na Editoria de Polícia, tendo como editor o jornalista Pedro Maia, que faleceu em fevereiro de 2014.

 

– Ficou muito tempo em A Tribuna?

– Na verdade, essa foi a minha primeira passagem em A Tribuna. Meses depois, fui convidado para trabalhar em A Gazeta, que na época ainda funcionava na avenida General Osório, no edifício Portugal, no Centro de Vitória. Ali, jovem e empolgado com o glamour da profissão, caí no rock.

Saíamos todos os dias da redação por volta das 20h30 e íamos tomar cerveja no antológico Blitz Bar, que ficou famoso por se constituir no principal point cultural da cidade. Depois de um ano, como só queria saber de farra, fui demitido. Aí, retornei para A Tribuna e, em 1983, ganhei o prêmio Thiers Velozo como melhor repórter policial do ano, com a matéria Deus e Diabo no Morro São Benedito.

 

– Fale um pouco sobre essa matéria.

– Contava a história de dois bandidos que viviam no Morro São Benedito, em Vitória. Um deles era o temido e amado Edmilson Cândido do Rosário, uma espécie de Robin Hood daqueles tempos, que roubava caminhões lotados de mercadorias e distribuía as cargas entre os pobres do morro. Certa noite cheguei lá e eles estavam distribuindo botijas de gás (cheias). A polícia chegou e foi a maior correria. E o outro bandido era Dango, que assaltava os próprios moradores do local.

 

– Além de trabalhar em A Gazeta e A Tribuna, você teve outras experiências no meio?

– Sim. Em março de 1984, eu estava em A Tribuna quando decidimos deflagrar uma greve por tempo indeterminado. O jornal radicalizou, fechou as portas e demitiu todo mundo. Fui convidado pelos jornalistas Dório Antunes (já falecido) e Lino Rezende para uma sociedade. Montamos a empresa Papel de Comunicação, iniciando as atividades com a produção de um jornal que enfocava o cotidiano dos deputados na Assembleia Legislativa.

A empresa cresceu, mas, em 1986, um dos sócios decidiu apostar na eleição de Élcio Álvares para governador. E o adversário, que era Max Mauro, venceu. Foi complicado. E aí retornei para A Gazeta, para a fase mais rica de minha carreira, onde atuei como repórter Especial de 1987 até 2012, quando meu ciclo na empresa se encerrou.

 

– Quais os casos de maior repercussão que você cobriu?

– Bem, como era o repórter que produzia as matérias especiais da editoria de Polícia, cobri todos os grandes casos da época e todos os domingos era publicada uma matéria de minha autoria de página inteira.

Cobria tudo que se referia ao ex-delegado Cláudio Guerra, uma espécie de policial bandido que na época funcionava como o braço armado do crime organizado no Espírito Santo, e acabei pegando toda a história. Fiquei tão envolvido na cobertura que várias vezes fui ouvido pela Polícia Federal, na condição de testemunha.

 

– Esse envolvimento era perigoso...

– Muito perigoso. Eu fui sequestrado, saí na porrada com um delegado, outro me enfiou o cano do revólver na boca, fui ameaçado de morte várias vezes, mas cumpri todas minhas missões como jornalista. Cheguei a comprar uma arma de fogo, pois temia ser surpreendido a qualquer momento, mas nem sabia como usá-la.

No final, só por curiosidade, fiquei conhecido como o único cara que deu um tombo no delegado Cláudio Guerra e permaneceu vivo. Vou explicar: ele estava preso em Vila Velha em um momento de muita pressão. Certo dia, me convidou para escrever uma espécie de biografia. Eu disse que não tinha interesse. Aí, ele foi até a cama, na cela improvisada em um cômodo da delegacia, e retirou vários maços de notas de dinheiro que estavam sob o colchão. Aí topei.

Só que as coisas foram esquentando cada vez mais para cima dele. Como eu era repórter de A Gazeta, preferi então suspender o serviço. Mas não devolvi o dinheiro. O Cláudio Guerra entendeu minha situação e considerou que estávamos quites. Ufa!

 

– Fale mais sobre a trajetória de Edmilson Cândido do Rosário, citado por você no início da entrevista.

– Sim. O Edmilson era um trocador de ônibus, negro. Certo dia, ele foi preso pela polícia, sob suspeita de um crime que jurava não ter cometido. Levou o maior pau. Revoltado, pois tinha perdido o emprego por causa disso, começou a praticar pequenos assaltos. Mas toda vez que era preso, conseguia fugir. Isso acabou contribuindo para sua fama.

Além disso, ele tratava as vítimas de seus assaltos com a maior educação e nunca apelava para a violência. Para completar, muitas vezes, distribuía o produto do roubo para as famílias pobres do morro São Benedito, onde seus pais residiam. Então, ele contava com a simpatia da população, o que irritava os policiais.

Na última fez que foi preso, providenciaram uma cela para ele no quartel da Polícia Militar, feita com trilhos de trem por todos os lados, inclusive teto e piso. Mesmo assim, ele fugiu. E foi iniciada uma perseguição cinematográfica, a maior que já se viu no Espírito Santo. Eu, que havia lhe entrevistado várias vezes, fui designado, junto com a fotógrafa Heloísa Santana, para a cobertura.

Em seu encalce estavam também, além da imprensa, a Polícia Militar e a Polícia Civil. Mas sabíamos que, se ele fosse encontrado primeiro pela PM, seria morto, pois existiam suspeitas de que sua fuga teria sido facilitada. Foi dito e feito. Certo dia, ele foi cercado no Centro da cidade por uma patrulha da PM e atingido por um tiro de calibre 12, nas costas.

Milhares de pessoas compareceram a seu sepultamento e centenas delas choravam. Foi um dia muito triste pra mim.

 

– Foi o caso mais importante de sua carreira?

– Não. Eu acho que o mais importante foi a cobertura das investigações do assassinato da jornalista Maria Nilce, em julho de 1985, comandada por Cláudio Guerra. Ele improvisou uma delegacia, em um apartamento cedido pelo José Carlos Gratz, na Praia do Canto. Tinha um baita esquema de segurança. Certa vez, soube que um suspeito do crime estava preso lá.

Depois de muita insistência, consegui entrar. O cara estava deitado assistindo um desenho animado na TV. Fiz uma entrevista bombástica, que foi publicada na edição do dia seguinte do jornal A Gazeta. Mas o cara fugiu do apartamento e concedeu entrevista a uma emissora de rádio alegando que, quando conversou comigo, tinha sido dopado pelos policiais. Era cada confusão...

 

– Você chegou a conhecer a jornalista Maria Nilce?

– Sim. Ela era muito polêmica, guerreira e de uma beleza física deslumbrante. Era dona do Jornal da Cidade, na época um dos mais influentes do Estado. Certa vez, ela me convidou para dirigir a primeira sucursal do jornal, que foi aberta em Campo Grande (Cariacica). Fiquei lá uns tempos com seu filho, Juca Magalhães, e depois saí.

 

– Fale sobre o jornal O Povão.

– O Povão foi um jornal de grande circulação no Espírito Santo. Eu trabalhava em A Gazeta e, ao mesmo tempo, em O Povão. Eram distribuídos gratuitamente milhares de exemplares por dia, inclusive no interior. Mas era um jornalismo muito perigoso. No final da história, só eu sobrevivi. Mataram até o proprietário do jornal, o jornalista José Roberto Jeveaux.

No livro “Memórias de uma Guerra Suja”, o ex-delegado Cláudio Guerra acusa um político e empresário de ter sido o mandante do crime. Esse político-empresário estaria sendo chantageado por Jeveaux. Também explodiram uma bomba na sede do jornal. Era muito perigoso.

 

– Como se deu sua vinda para o interior do Estado?

– Foi uma decisão minha e de minha mulher. Queríamos uma vida mais tranquila. Como repórter do jornal A Gazeta, fui primeiro para Nova Venécia, onde fiquei por quase quatro anos. Adorei. Depois, me convidaram para assumir o comando da sucursal de Cachoeiro de Itapemirim. Fiquei lá um ano e, com a saída do repórter de Linhares, me convidaram pra cá. Moro até hoje no município.

 

– Você também já trabalhou em rádio?

– Sou apaixonado por rádio. Era redator de um programa na antiga Rádio Capixaba e, em Nova Venécia, montei um programa meu, o Rádio Notícias, que se destacou como o programa de maior audiência da região. Foi uma experiência com rádio-teatro que deu muito certo.

 

– Como você vê o jornalismo nos dias de hoje?

– Vivemos uma nova era, e vários aspectos contribuem para facilitar a vida dos profissionais. Hoje, se você entrar em uma redação, vai reparar que os jornalistas estão engordando. Eles saem pouco dali. Não precisam sair mais para fazer entrevistas. Fazem isso em tempo real, pela internet, celular, WhatsApp...

O grande problema é que o contato com as ruas, com as pessoas, com o povão é cada vez menor, e isso acaba comprometendo uma função básica do jornalismo, que é de estar atento à dinâmica das relações sociais em todas as suas vertentes.

Já o jornalismo praticado no interior é viciado em poder público, totalmente dependente. Ele precisa passar por uma clínica de recuperação para tentar buscar novos caminhos.

 

– O jornalismo impresso sobrevive às novas tecnologias?

– Sobrevive como a televisão, o rádio e outras mídias irão sobreviver, com o público cada vez mais restrito. Hoje existem tantas atividades disputando nosso tempo e nossas atenções que não é mais possível você sentar e ler 40, 60 páginas de um jornal.

Além disso, acho que a tendência do impresso é de ser cada vez mais segmentado, e também de assumir uma postura literata em determinadas circunstâncias. Mas só o futuro dirá.

 

– Quais são os seus próximos projetos?

– O jornalismo é uma profissão generosa: quanto mais experiência, mais diversificadas são as oportunidades. Dediquei-me recentemente a um projeto de resgate da história de Linhares, visando, sobretudo, a revitalização dessa história junto aos públicos mais jovens.

Também recebi propostas para atuar em assessoria de comunicação, mas tenho dedicado o meu tempo mais para a minha família e para cuidar dos negócios dela. Atualmente fico entre a região de Povoação e a sede de Linhares.

 

 – Alguma mensagem para as novas gerações de jornalistas?

– Penso que o grande legado dos jornalistas de minha geração foi ter transitado entre o regime militar e a democracia; entre a máquina de escrever e o computador; de ter saído de uma redação setorizada para uma redação multimídia. Ter vivido essas mudanças nos permite ter uma visão privilegiada do jornalismo que se pratica no Brasil.

Peço às novas gerações de jornalistas que fiquem atentos às necessidades dos menos favorecidos, aos seus dramas, às suas dificuldades e expectativas. Não se afastem deles, pois em um mundo no qual políticos se preocupam mais com seus próprios interesses, nós, jornalistas, representamos para muitos a última alternativa de socorro e esperança.

 

Para Zenilton, o jornalismo é uma profissão generosa

 

Zenilton sendo homenageado pelo diretor do TERRAL, jornalista Daniel Porto

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