Corria o ano de 1975 na cidade de Viçosa (MG) e estudávamos no Coluni, curso preparatório para o vestibular da UFV. Morávamos numa república próximo ao Bar do Moreira, denominada “Toca do Urubu”. Éramos seis: eu, Ivan Maquinista, Baianinho, Saudade, Goiano e Edmar
A proprietária da Toca chamava-se Zizinha, uma senhora de meia idade que morava na própria Toca com o marido Custódio. Este, de idade mais avançada, beirava os oitenta anos.
A república era um sobrado velho, localizado em frente à rádio Montanhesa e próximo à casa do professor Lopes. No andar térreo tinha uma pequena sala, que ficava ao lado do quarto da Zizinha e Custódio, além de copa, cozinha e banheiro.
No canto esquerdo da copa existia uma inclinadíssima escada de madeira que dava acesso ao andar superior. Neste ficavam os quartos, com paredes divisórias de compensado, onde se abrigavam os estudantes.
No vão de acesso à escada ficava o ensebado filtro de barro, já de cor preta de tanto lodo. Por vezes, quando íamos pegar água, a torneirinha do filtro parava de funcionar, o que era resolvido com uma pequena sacudidela, seguido de reclamações com a Zizinha.
– Dona Zizinha, esse filtro tá sujo, era a cantilena de todos os dias
– Vou mandar o Custódio limpar amanhã, era a mesma resposta de todos os dias
A revolta pela falta de condições higiênicas e pela péssima comida começou no dia em que, cansados das promessas, resolvemos nós mesmos comprar velas novas e proceder à limpeza do maledito filtro.
Ao abrirmos, para desespero geral, descobrimos o que vinha obstruindo o fluxo contínuo de água da torneira do filtro. Era nada mais, nada menos, que a dentadura antiga da Zizinha jogada, por alguém, dentro da parte filtrada. A obstrução, provavelmente, devia ocorrer quando os dentes postiços e mórbidos da Zizinha encostavam no orifício interno da saída da água. Na hora, alguns dos nossos, como o Maquinista, chegaram a vomitar.
Quase matamos o Baiano ao descobrimos, dias depois, pilhas de garrafa de água mineral debaixo de sua cama.
A partir daí a revolta desencadeou-se. À noite reunimo-nos e estabelecemos um comando de greve para protestar contra a higiene e contra a comida da pensão.
No outro dia pela manhã soubemos que a Zizinha estava na Avenida Santa Rita fazendo a feira e que só retornaria mais tarde.
O coração de estudante não suporta demoras. Resolvemos então protestar com o velho marido Custódio.
– Seu Custódio, nós viemos aqui para reclamar da limpeza e da comida da república. É carne moída no almoço, é bolinho de carne moída na janta. É macarrão com linguiça no almoço, é sopa de macarrão na janta. É arroz, ovo e chuchu no almoço, é suflê de ovo na janta. Assim não dá!
E o Custódio, que morria de medo da Zizinha, na cadeira de balanço:
– Mas o quê que ‘ocês querem que faça, ô coisa? Falem ‘ocês diretamente com ela.
– Mas o senhor é o marido dela, pombas!
– Eu sei, mas ela é braba e muito gonorante, si menino.
Aí um dos nossos se revoltou, bateu na mesa e deu o ultimato:
– Olha Seu Custódio, o senhor fale para a Zizinha que se a limpeza e a comida não melhorarem todos irão embora da república.
Para nosso espanto, Custódio, indo e vindo na cadeira de balanço, calmo e pausadamente, respondeu aconselhando:
– Mas ‘ocês tão fazendo greve por isso? Vão embora meus fis. ‘Ocês são feliz que podem ir embora... ‘Ocês são feliz!!!!