Quinta-Feira, 21 de novembro de 2024

Apocinacea - Por Sergio David

Publicado em 24/04/2020. https://jornalterral.com.br/t-6d5

Até fins da década de 1970, na famosa Universidade Federal de Viçosa, localizada na então pequenina e bucólica cidade de Viçosa (MG), era comum estudantes do mesmo período letivo agruparem-se em torno de um clube. Assim marcaram época o “Picareta”, “Alambique”, “Trabuco”, “Carrasco” e a nossa turma do “Furacão”. Iniciamos o curso com cerca de 150 aprovados no vestibular de 1972 e nos formamos em 1976.

Se nada ganhávamos nos anuais jogos estudantis, em contrapartida, éramos os eternos campeões dos encontros etílicos, das baladas, das artes, do lazer e da cultura. Isso sem contar os quatro anos de oposição política ferrenha ao magnífico reitor Dr. Antônio Fagundes.

No quarto período existia uma disciplina denominada “Sistemática das Plantas Superiores” que era um verdadeiro tormento. Consistia basicamente em determinar as famílias das plantas superiores através de uma apostilha de cerca de 700 páginas do professor japonês Shotaro Shimóia.

Tudo começou quando, dias antes do início da última aula do mal-humorado professor, o Serginho, que era o mais irreverente da turma, perguntou:

– Ô Eveline, sabe o que a mulher japonesa do Shimóia falou pra ele?

E a Eveline, como sempre sorrindo, respondeu:

– Não, não sei. O que foi?

– Shimóia, Shimóia, shai da chuva se não she móia.

Gargalhadas gostosas da Eveline, mas, por azar, o Shimóia estava logo atrás e ouviu a pilhéria.

Dias depois, alguém veio ao nosso alojamento avisar que o “jappa” ia ferrar com toda a turma na prova prática final de sexta-feira.

O jeito foi passar segunda, terça e quarta “ferrando” na maldita apostilha.

Até que, na quinta à tarde, o “Maquinista” e o “Elias Rolo” estavam estudando lá na Agronomia e viram o Valdir, assistente do Shimóia, coletando e enchendo um balaio com uma bonita flor com pétalas de cor amarela. Catou uma flor e trouxe para nosso estudo.

Frisson total. Imediatamente reunimos o conselho dos mais notáveis cus-de-ferro da turma, Cláudio Bundinha, Orlandinho, Padinha, Sídney Lombriga, Josias, Eveline e Téo.

Apostilha de classificação nas mãos e começa o suplício:

– Folha penada trifoliada vai para a chave da esquerda... Cálice gamossépalo e corola dialipétala... é diclamídea.....vai então para a chave da direita... Androceu com filete filiforme vai para a esquerda... estames monadelfos vai de novo para a esquerda... Gineceu sincárpico vai para a direita... ovário tricarpelar. e unilocular vai para a esquerda...

Duas horas e meia e nada de identificar a família.

Resolvemos então ir ao Hotel Príncipe, na cidade, para contar com a ajuda do cu-de-ferro dos cus-de-ferro.

Mais uma hora de labuta na apostilha e finalmente o cu-de-ferro-mor, Maurinho, bate na mesa e proclama:

– Achamos!!!!!!! A família é apocinácea. Lógico!!!

Alegria geral, mas necessário se faz guardar o segredo até o dia da prova.

E na sexta-feira pela manhã, dia da prova, todo mundo confiante e só sorrisos.

Nisso, em frente ao prédio da Biologia, encontramos o “Beiçolé”. O pobre coitado era retardatário da turma do Picareta, já caminhava para o sexto ano de curso e provavelmente ficaria reprovado, novamente, nessa disciplina.

Começa a prova e alegria geral e contida quando o Valdir adentra na sala com o balaio cheio da dita cuja flor amarela.

Olhávamos diferentes lâminas em vários microscópios e no final deveríamos dizer a que família pertencia a mesma. Mesmo sabendo, com antecedência, examinávamos todos os microscópios e no final dávamos o nome da família de apocinácea.

Maricato Lotar que, a despeito do tamanho sempre foi o mais sentimental e emotivo, chamou o Beiçolé no canto e sussurrou:

– O nome da família é apocinácea. Agora finge que não sabe, faz hora e demora um pouco pra dar o resultado.

Beiçolé estava embriagado e, quando chegou a vez dele, logo no primeiro microscópio mandou:

– Sai de mim, Apocinácea!!!!

O irascível Shotaro Shimóia desconfiou e, imediatamente, anulou a prova.

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