Fotos: Daniel Porto - TERRAL

Município registra construções dentro de rios e lagoas
Por Daniel Porto
Como é comum encontrar nos livros, o meio ambiente é definido como um conjunto de elementos e processos biológicos, químicos e físicos que são responsáveis pela vida. É composto pela água, ar, solo, energia, flora e fauna, e pela cultura humana, seus valores sociais, políticos, econômicos, científicos, morais, religiosos etc.
Feito o registro, o TERRAL aborda a situação precária vivida em Linhares. O tema é um desdobramento da matéria “Políticas públicas ineficientes comprometem futuro de Linhares”, publicada recentemente, e traz à baila diversos problemas, como o crescimento desordenado, lagoas e rios poluídos e a crise no transporte público.
E ainda: ausências de rodoviária, estádio, complexo de segurança e centro administrativo; falta de políticas assertivas na saúde, educação, turismo e cultura, mobilidade urbana tumultuada e déficit habitacional. Enfim, o que deveria orgulhar os seus moradores causa indignação e vergonha, em razão do descaso e poluição.
É fato que o município conta com rios e mais de 60 lagoas. Porém, rios como o Doce e o Pequeno apresentam péssimas condições, construções irregulares, lixo e dejetos. O mesmo ocorre com as lagoas, em especial com as do Meio e do Aviso, situadas no perímetro urbano da cidade.
Políticos em evidência concentraram as suas atuações na área

Lucas Scaramussa, em agosto de 2017, fazendo um balanço para o TERRAL de sua atuação como secretário municipal de Meio Ambiente
A situação precária do meio ambiente é preocupante e até mesmo curiosa, posto que políticos em evidência em Linhares concentraram as suas atuações justamente nessa área. Exemplos: o prefeito Lucas Scaramussa e o ex-deputado federal Felipe Rigoni.
Lucas foi o titular da pasta do meio ambiente em duas gestões do ex-prefeito Guerino Zanon: de 2009 a 2012 e no período 2017-2018; e Felipe Rigoni é o secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos desde 31 de janeiro de 2023.

Felipe Rigoni discursando após tomar posse como secretário estadual de Meio Ambiente, em 31 de janeiro de 2023
O assunto é tão importante que, na legislatura passada (2021 - 2024), mereceu atenção do vereador Roninho Passos, atual presidente da câmara. Em maio de 2021, ele pediu apoio ao deputado estadual Renzo Vasconcelos para, por meio de projetos e ações, despoluir as lagoas e rios. Roninho esteve no gabinete do parlamentar no dia 11 de maio e recebeu a sua visita no município dois dias depois.
Renzo então circulou pela lagoa do Aviso, de barco, auxiliado pelo corpo de bombeiros. Perto dele, em outros barcos, estavam o secretário municipal de Meio Ambiente, Fabrício Borghi Folli, o vereador Roninho e jornalistas. Na época, o deputado constatou que a lagoa se encontrava em péssimas condições, com construções irregulares, muito lixo e dejetos.
O quadro só piorou desde então, com o registro de mais agressões ao meio ambiente. Anos depois, com a ascensão política de Lucas Scaramussa, Felipe Rigoni e Roninho Passos, a expectativa é saber o que eles efetivamente estão fazendo – e/ou farão - para amenizar os problemas vivenciados na área pela população de Linhares.

Roninho Passos falando com a imprensa sobre a poluição dos rios e lagoas de Linhares, em 13 de maio de 2021
Cidade convive com crescimento desordenado e a ocupação irregular do solo

As construções em locais proibidos aumentaram e muitas pessoas vivem em péssimas condições
Os moradores de Linhares sofrem com a chegada de andarilhos e famílias desestruturadas, com o crescimento desordenado e a ocupação irregular do solo. As construções em locais proibidos aumentaram e pessoas vivem em péssimas condições. Os impactos sociais são evidentes – e compete ao poder público enfrentá-los com políticas arrojadas e eficientes.
Além disso, existem cerca de 80 loteamentos clandestinos e ilegais nas imediações de Nova Betânia, Canivete, Bebedouro, Povoação, Degredo, Desengano, Lagoa Nova e Rio Quartel. Os loteamentos clandestinos surgem por invasão ou por iniciativa de proprietários que tentam burlar a legislação.
Possuem vias estreitas, sem projeto, lotes abaixo das dimensões mínimas, falta de infraestrutura e em áreas impróprias, encostas e regiões passíveis de desastres ambientais. Um exemplo é o Olaria, situado ao lado da ponte sobre o rio Pequeno e perto da rodovia que dá acesso a Rio Bananal.
Adquirir um imóvel em loteamentos sem aprovação do poder público pode causar sérios prejuízos ao comprador, já que nesses locais a administração municipal fica impedida de realizar as obras de infraestrutura. Serviços de rede coletora de esgoto, rede de tratamento de água e iluminação são obrigações legais do loteador.
Descaso com rios e lagoas é antigo

Maria Lúcia Grossi Zunti: “Choro com imensurável inconformidade”
Os problemas são antigos. No livro Vultos, Fatos & Lendas Linharenses, lançado em 1975, o advogado e escritor Lastênio Calmon Júnior (1909 - 1988) já denunciava a situação. Ao falar sobre o traçado de Linhares, destacou que a beleza do município só podia ser contemplada do fundo dos quintais daqueles que tiveram o privilégio de obter lotes à beira do rio.
Além de criticar o que estava acontecendo no Centro de Linhares, Lastênio Calmon escreveu que na lagoa do Aviso ocorria fenômeno semelhante. “Lotearam os terrenos ali existentes até a margem da lagoa sem que se deixasse uma faixa beirando a água para a futura avenida do Contorno, e o resultado lá está: os quintais vão com suas cercas até a água”.
Ele acrescentou: “Uma feiura grotesca a atestar incapacidade por todos os tempos até que venha um administrador que tire a nossa cidade dessa situação, traçando um grande plano urbanístico, onde se vejam por todos os recantos, praças e avenidas ajardinadas, bosques e ruas de bom gosto”. E concluiu: “Espere, meu Linhares, esse Príncipe Encantado que um dia há de vir!”.
O descaso com as lagoas e rios de Linhares também preocupava a professora, escritora e historiadora Maria Lúcia Grossi Zunti (1941 - 2022). Em texto de sua autoria, publicado pelo TERRAL em março de 2021, ela citou riquezas naturais do município e ressaltou que “a Mata Atlântica se foi; o rio Doce está morto e as nossas lagoas estão todas se acabando de tão poluídas”.
Maria Lúcia questionava: “Para que temos a Justiça? Para que temos o Iema? Para que temos governadores e prefeitos? Para que temos secretarias de Meio Ambiente? Ibama?”. E completava: “Então, choro aqui como um grito, um grito retumbante, com toda a minha alma e espírito de inenarrável, imensurável inconformidade!”.