Felippe David, meu avô, comerciante árabe, sócio majoritário da firma Irmãos David Comércio e Exportação Ltda. Era o maior comprador de café da região de Vargem Alta, então distrito de Cachoeiro do Itapemirim, ES.
“Coronel Felipe”, como era popularmente conhecido, necessitava, frequentemente, ir ao Rio de Janeiro, que na época era a capital econômica do país, para efetuar tanto as vendas quanto manter contatos comerciais com o setor cafeeiro de exportação do país.
Numa dessas idas, em meados de 1954, levou seu neto Tuffy, para acompanhá-lo e, ao mesmo tempo, treiná-lo na arte da comercialização de café.
Felippe, como bom árabe pouco afeito a gastos supérfluos, reservou, como de costume, um quarto de casal, numa pensão muito barata, no subúrbio carioca de Bangu. Na verdade, essas reservas só eram feitas quando levava algum parente para acompanhá-lo. Isso para que, depois, chegasse aos ouvidos da ciumenta esposa, Essen Bechara, seu interesse apenas comercial, e não nos encantos da cidade maravilhosa.
Porém, quando ia sozinho, segundo as más línguas, hospedava-se em hotel de cinco estrelas, quase sempre acompanhado de atrizes famosas ou de donzelas bailarinas do famoso Cassino da Urca.
Já a pensão em Bangu era uma espelunca de banheiro único e quartos com paredes divisórias de compensado barato.
Ao chegarem, o gerente pediu mil desculpas por não poder manter a reserva do quarto de casal, posto que teve que atender ao pedido urgente de um casal em lua de mel.
– Coronel Felipe, o senhor é nosso cliente antigo e sei que reservou o quarto de casal por ser mais barato. Mas, infelizmente tive que atender ao casal em lua de mel, por isso vou colocar o senhor e seu neto no de solteiro, ao lado, com duas camas, pelo preço de uma. OK?
– Sem broplema......bara mim, eu brefere mesmo o menos cara.
Ao cair da noite, Felippe David, já de olho no show do “Teatro de Revista” no Rio, disse a Tuffy:
– Ai lá Tuffy, eu tem agora bor la noite uma imbortante reunião com exbortadores de café no centro da cidade. Acho melhor ucê num ir e figar agui na pensão bara vigiar as malas com o dinero.
E lá se foi o coronel para a importante reunião com as donzelas, de reputação menos ortodoxa, dos cabarés da cidade do Rio de Janeiro.
Tuffy tomou banho, jantou e já se preparava para dormir quando ouviu os primeiros gemidos do casal no quarto ao lado:
– Ai... ai... ai...
Tuffy pulou subitamente da cama para ouvir de novo:
– Ai... ai... ai... ‘tá doendo.
Tuffy, num átimo, colou o ouvido na parede divisória de compensado:
– Aiiii... aiii... aiiiiiiii... ‘tá doendo demais.
Tuffy resolveu então colocar um copo de vidro com a boca na parede e o fundo nos ouvidos para escutar melhor.
- Aiiii... aiii... aiiiiiiii... como dói... aaiiiiiii.
E assim foi por quase toda noite. O casal gemendo e Tuffy quase subindo pelas paredes e apelando para práticas libidinosas pouco recomendáveis.
Pela manhã, na mesa do café da pensão, Tuffy, já com as pálpebras cansadas e escuras, falou:
– Vovô, não consegui dormir. O cara amassou a mulher a noite toda.
Felippe resolveu, então, dar um tempo de espera para ver se a noiva fazia jus à trepidante noite nupcial. Ficaram conversando cerca de meia hora esperando que o casal descesse para o café.
Eis que, de repente, chega uma ambulância com estridente sirene na porta da pensão. Dela saem dois enfermeiros segurando uma maca. Entram apressadamente e sobem as escadas indo diretamente ao quarto do casal.
Tuffy se desespera:
– Meu Deus, vovô. Acho que o cara, de tanto fornicar, acabou matando a mulher.
Depois de alguns minutos os enfermeiros descem as escadas com a maca, mas nela não vem deitada a fogosa noiva e tampouco o impetuoso marido. O dito casal da lua de mel acabou não vindo. Em seu lugar, com uma cirurgia marcada para a manhã daquele dia, no hospital de Bangu, vem deitada na maca uma gorda italiana de oitenta e poucos anos, com um enorme panarício na cabeça do dedão do pé, gemendo:
– Ai... ai... ai..., ‘tá doendo. Ai... ai... ai..., como dói.