Corria o ano de 1977 e eu iniciava minha carreira de engenheiro agrônomo da EMATER-ES, lotado no Escritório Local de Barra de São Francisco, região Noroeste do Estado.
Um belo dia o meu chefe me encarrega de dar continuidade a um curso na cultura do milho no Córrego da Paulista. Teria que falar sobre controle de ervas-daninhas. Imediatamente perguntei ao meu supervisor se não poderia pular essa etapa do curso.
– Dr. Wilson, veja bem, esse córrego é de relevo acidentado e isso impede o uso de herbicidas. Assim todo, o controle das ervas é feito através de capina manual com enxada. E aí eu te pergunto: O que é que eu vou falar para esses agricultores?
– Olha Sérgio, você tem que aplicar o curso. Como, eu não sei. Só sei que o recurso é do PIPMOR, Programa Integrado de Preparação da Mão-de-Obra Rural, e vem direto de Brasília. O curso inicia-se às 8h e tem que terminar às 16h. Estamos sujeitos a uma fiscalização e caso descubram que essa etapa não foi cumprida podemos perder todo o recurso financeiro do programa.
Como todo bom principiante, acreditei nas palavras do chefe e no outro dia, pela manhã, dirigi-me para o Córrego da Paulista, para aplicar a indesejável etapa do curso.
Ia muito preocupado com o que um recém-formado teórico poderia falar para agricultores práticos sobre capina manual. No meio do caminho resolvi parar numa “vendinha” para tomar café. Nisso, aparece um sujeito abrindo e esparramando, no chão da venda, um grande mapa de pano do corpo humano, Era daqueles vendedores de remédios fitoterápicos:
E aí o cara começou:
– Pepitoterazini, mamão jaracatiá, o remédio para todos os males, vindo diretamente da Amazônia, cura chulé, coceira, zique-zira, sarampo, caxumba, catapora, gonorreia e “nervoasiático”.
Aí começou a juntar um monte de gente na venda, posto que o cara tinha o dom da oratória. Imediatamente resolvi convidar o sujeito para ajudar a preencher as minhas exigentes oito horas de curso.
– Quantos agricultores vão estar lá?, ele me perguntou.
– Creio que cerca de 40 a 50, respondi.
Lá chegando, compus a mesa, fiz a abertura e falei sobre a programação de todo o curso. Em seguida, falei sobre os intervalos para o café e para o almoço, agradeci ao dono da propriedade, agradeci a dona da casa e fiz mais todo o tipo xaropada para comer o tempo. Depois de 30 minutos de embromação, finalmente, passei a palavra para o curandeiro.
E aí ele desenrolou o mapa do corpo humano e começou:
– Pepitoterazini, mamão jaracatiá, o remédio para todos os males, vindo diretamente da Amazônia, cura chulé, coceira, zique-zira, sarampo, caxumba, catapora, gonorreia e “nervoasiático”.
Mostrava a doença no mapa e danava a vender a milagrosa pomada.
– É três pomadas por doze cruzeiros, se comprar cinco paga somente 15 merréis.
De vez em quando ele apertava um pedal e surgia, inesperadamente, um boneco falante de dentro de um saco. Em seguida voltava:
– Pepitoterazini mamão jaracatiá,,, o remédio para todos os males... cura chulé... três pomadas por doze cruzeiros, se comprar cinco paga somente 15 merréis.
Outras vezes tocava uma flauta e saía uma cobra jiboia dançando, sinuosamente, de dentro de um balaio.
Depois de umas duas horas de apresentação e muitas vendas, o cara virou para a plateia e disse:
– Agora vocês vão ver como minha Cacilda é mansa.
E aí colocou a cobra em meu pescoço. Fossem os dias de hoje jamais permitiria tal ato. Acontece que eu, recém-formado, na minha insegurança da época, pensei que tal façanha contribuiria para mostrar que não era tão urbano, que era também prático, e que assim ganharia a confiança e o respeito dos agricultores.
Quando as gélidas escamas da Cacilda tocaram a minha pele, arrepiei-me de medo, mas tentei aparentar tranquilidade.
E o lazarento voltou à cantilena:
– Pepitoterazini mamão jaracatiá... o remédio para todos os males...
Depois de alguns minutos comecei a perceber a cara de medo estampada nas faces da maioria dos agricultores.
Aí comecei a pedir ao doutor curandeiro para retirar a Cacilda do meu pescoço.
Mas ele, com os dedos repletos de notas dez e vinte cruzeiros, continuava:
– Cura chulé, coceira, zique-zira, sarampo, caxumba, gonorreia....
Subitamente, a jiboia, com aquela cabeça pavorosa, desceu pelo meu antebraço, deu a volta na minha mão e começou a apertar meus dedos.
– Ei, ei, ei, ei cara! Tira a Cacilda daqui, tira a cobra daqui do meu braço, tá doendo meus dedos.
E o desgraçado nem aí para mim.
Quando puxei o braço para tentar safar-me, a horripilante Cacilda resolveu dá uma mordida na minha mão esquerda.
Aí bateu o desespero. Corri em direção aos agricultores.
– Tira, tira, tira, tira. Pelo amor de Deus, tirem essa cobra do meu braço!
Quando percebi que todos corriam de medo e de mim, não me contive e aí saiu o grito que jamais deveria ter saído da boca de um engenheiro agrônomo “prático e corajoso”:
- Mamããããããããe!!!!!!!!