Corria o ano de 1976, na cidade de Afonso Cláudio, região serrana do Espírito Santo, e existia por lá um senhor chamado Avides Cassiano. Homem do campo, sério, honestíssimo, líder rural inconteste, daqueles que se pode confiar sempre. Aproximavam-se as eleições e quase toda a cidade correu a sua casa implorando para que o mesmo se candidatasse ao cargo de vereador.
Avides relutava em aceitar o pedido porque, sabedor que era analfabeto de pai, mãe e parteira, pouco sabia da escrita e temia a arte de discursar ou falar em público. Contudo, não pôde resistir ao apelo pessoal do então prefeito Leni Alves de Lima, bem como dos sindicatos – Patronal e dos Trabalhadores Rurais – do município.
Naquela época existiam apenas dois partidos políticos: a Arena, que dava sustentação ao regime, e o MDB, que fazia oposição. Por pressão dos amigos, optou pela Arena e, meio a contragosto, lançou sua candidatura ao apagar das luzes do dia da inscrição.
Para sua surpresa, elegeu-se o vereador mais votado do município, o que lhe credenciara a assumir o cargo de presidente da Câmara. Em meio às comemorações confidenciou aos amigos o seu desespero em ter que discursar na abertura dos trabalhos.
– Ora Seu Avides, prá que se preocupar com isso?, perguntou um amigo.
– Mas, ô coisa, eu nunca usei terno, nunca discursei na minha vida e de mais a mais nunca sentei num banco de escola. Cuméque que eu vou fazer discurso?
– Não tem problema não. Vai lá na Dona Dalza, que é a Diretora do Colégio, que ela ajeita esse discurso pro senhor.
E aí, no dia da posse, lá estava o Seu Avides, todo empacotado em terno de linho branco, quase que impedido de mover a cabeça lateralmente, face ao uso de uma brilhante gravata vermelha com o colarinho apertadíssimo logo abaixo do queixo. Sentado ao centro da grande mesa, atrás de uma imensa corbeille de flores, com um monte de papéis da Dona Dalza nas mãos, iniciou o seu discurso:
– Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal, Dr. Leni Alves de Lima. Excelentíssimo Senhor Juiz de nossa Comarca, Dr. Paulo Copollilo. Excelentíssimos Senhores Vereadores eleitos. Senhoras e Senhores.
Pigarreou, e no átimo empostou a voz e soltou:
– Bom dia, Boa tarde ou Boa noite, conforme a ocasião.