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Por Antonio L. Comério*
No auge das discussões sobre reajustes tarifários, acreditamos que é o momento de esclarecer outras questões que norteiam o valor das passagens do transporte coletivo urbano em todo o país. Um critério importante nesse cálculo é o chamado subsídio cruzado, que permite ao usuário que mora distante e percorre longas distâncias pagar a mesma tarifa daqueles que moram próximo dos centros urbanos, ou que utilizam o transporte coletivo urbano para deslocamentos mais curtos.
Para entender como isso é possível, imagine que uma pessoa vai até uma loja para comprar um presente. A atendente pergunta se ela quer uma embalagem especial. Essa embalagem, obviamente, tem um custo adicional do material utilizado e da mão de obra. A loja tem duas opções: a primeira, cobrar uma tarifa por esse serviço (além do preço do produto), o que poderia não ser bem aceito pelo comprador. A segunda opção é diluir o custo da operação, dividindo o valor da embalagem entre os compradores. Ou seja, a decisão de diluir nos produtos da loja o valor que se gasta nos embrulhos para presente faz com que esse custo seja bem menor para todos os clientes.
Outro bom exemplo de subsídio cruzado é a redução de tarifa da energia elétrica concedida ao produtor rural, em determinada hora do dia, para irrigar sua plantação – a chamada energia verde. Quem paga por isso? A concessionária de energia elétrica? O governo? Claro que não. O custo é repassado para a tarifa de energia dos habitantes das cidades, que também serão beneficiados, já que o custo da produção desses produtores (e o preço dos produtos agrícolas) não será impactado por um custo mais alto da energia elétrica.
Assim como em qualquer outro tipo de negócio e de serviço, no transporte também não existem milagres. Para promover isonomia entre passageiros de todas as classes sociais existe a tarifa social, calculada conforme a lógica do subsídio cruzado. Se ela não fosse adotada e as tarifas urbanas fossem simplesmente calculadas segundo a distância percorrida, os usuários moradores das periferias, distantes dos centros e, provavelmente, com menor poder aquisitivo, teriam que pagar passagem mais cara, necessária para manter o equilíbrio econômico-financeiro do serviço prestado.
Dessa forma, os passageiros de classes mais humildes fatalmente seriam penalizados. Pior ainda, seriam duplamente injustiçados por morar longe e ter que pagar mais pelo transporte coletivo. E assim, também, as empresas tenderiam a dar preferência aos trabalhadores residentes nas proximidades dos locais de trabalho, visando à redução de custos na aquisição do vale-transporte. Já pensaram nisso?
Com esse raciocínio, que segue a conhecida máxima de que não existe almoço grátis, torna-se compreensível a lógica do sistema do subsídio cruzado aplicado na prática do sistema tarifário do transporte coletivo urbano.
Para que fique bem claro, subsídios cruzados são praticados quando uma empresa produtora de bens ou prestadora de serviços eleva os preços cobrados de uma determinada classe de consumidores, para que as receitas adicionais assim obtidas lhe permitam compensar as perdas decorrentes da prestação de serviços ou venda de produtos a outra classe de consumidores, por preços inferiores ao custo. Da mesma forma, a empresa pode promover o consumo de um bem ou serviço, vendendo-o por um preço mais baixo (eventualmente abaixo do custo), e compensar essa perda aumentando o preço de outro bem ou serviço.
Os subsídios cruzados também podem ser empregados para igualar as condições de prestação de um serviço, de modo que as diferenças no custo não se reflitam em diferentes preços. Assim, todos os consumidores pagam o mesmo preço, e o prestador do serviço também não sofre prejuízos ao atender consumidores de todas as classes sociais.
Como já foi exemplificado, no transporte coletivo o que chamamos de subsídio cruzado nada mais é do que dividir o custo do serviço por todos os usuários.
Segundo a pesquisa Mobilidade da População Urbana, realizado pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), o ônibus urbano é o meio de transporte mais utilizado pelas classes C e D/E; do total de deslocamentos, 41,6% e 48,5% são realizados por ônibus, respectivamente. Sem o subsídio cruzado será que isso seria possível?
*Advogado e Administrador de Empresas