Por Sergio David
João Jorge Abu Dioan foi o mais emblemático de todos os imigrantes árabes de Vargem Alta, região serrana do Espírito Santo.
Veio do Líbano na década de 1950, como os sírio-libaneses do Estado, de navio aportando na Barra de Itapemirim. De lá seguiu direto para o distrito de Matilde. fincando o seu primeiro comércio.
Cerca de dez anos depois comprou a padaria do meu avô e se estabeleceu de vez em Vargem Alta.
Passou a ser conhecido como “João Turco”. Era baixinho, de cabelos brancos, crespos e penteados para a frente. A despeito dos olhos zuis, não era afeito a vaidades terrenas. Exceção feita à sua origem. Como viveu no Líbano sob o domínio da França, gabava-se de ser franco-sírio.
Durante a década de 1970 sua padaria “São Jorge” foi considerada a sede do nosso bloco carnavalesco “Vai Quem Quer”.
Um dos foliões mais presentes era o advogado João Cardoso, conhecido como “Feijão”. Ex-ponta esquerda do Estrela do Norte, era um mulato meio folgado, meio oportunista, mas de boa índole. Casado com a filha de um influente político, logo conseguiu a indicação para a Chefia do INSS em Cachoeiro de Itapemirim.
Pois bem. No carnaval de 1982, o “Crioulo”, como era chamado no Bloco, chega no balcão da padaria e pede:
– Seu João, por favor, uma gelada e um tira-gosto.
E o tio, que não era dado a gentilezas, para a nossa surpresa, vem pessoalmente servi-lo.
Quinze minutos depois, Feijão, já sentado na calçada, faz outro pedido:
– Seu João, por obséquio, mais uma gelada.
João Turco traz duas cervejas na bandeja para o mulato.
E o nego não se contenta. Mais dez minutos:
– Seu João, sai uma porção de fritas com mais uma cerva?
– Joooooorgee, bede sua mãe brá fritar badada.
E nós, estupefatos com tamanha servidão.
– Seu João, dá pra sair mais uma gelada e uma porção de provolone com azeitona?
– Oswaaarrrrdo, bega e gorta salame brá Feijão.
Mais alguns minutos e o crioulo manda:
– Seu João, mais uma cerva e uma porção petit-pois.
- ÍÍÍÍÍÍlhaaaa, bede brá Berenice brebarar uma porção de bedidi-boá.
Lá pras tantas, o primo Ulisses pede para fechar a conta.
Feijão, como de hábito, dá aquela famosa fugidinha para o banheiro para ficar fora do racha.
Ulisses, que era o mais pragmático dos primos, percebeu a do crioulo e ordenou:
– Tio João, estamos em dez, onze com o Feijão, portanto, divide por onze.
E aí é que fomos entender o porquê de tamanha prontidão, gentileza e servidão.
O Feijão tinha conseguido a proeza aposentar o turco sem que o mesmo pagasse sequer um carnê de contribuição para o INSS.
E para culminar, o Tio João Turco ainda teve a esperteza de replicar:
– Bor onze não, eu vai dividir bor dez.
– Ai lá, eu vai dividir bor dez borque
Em meu badaria, Feijão não baga conta!