Por Sergio David
Década de 1950 e a pequena e bucólica Vargem Alta, então distrito de Cachoeiro de Itapemirim, destacava-se por apresentar um dos melhores carnavais do Sul do Espírito Santo.
Até que num determinado ano o “bar do Nicula”, que era o epicentro dos bailes foi fechado e a comunidade ficou sem local para os festejos de sábado, domingo, segunda e terça de carnaval.
Alguém se lembrou que o árabe Fued David tinha um imenso armazém de café, que há anos estava desocupado. Sabedores de que o “turco” era ruim de jogo foram até a Estação da Sericícola para falar com o “Seu Pimentel”.
Pimentel era o Diretor Financeiro da empresa de Tecelagem Sericícola, responsável pela extração dos fios do bicho-da-seda. Empresa essa que respondia por cerca de 80% do emprego da mão-de-obra de Vargem Alta. Era, por conseguinte, o trem pagador do comércio do povoado, inclusive da venda de Fued.
– Seu Pimentel, sabemos que o senhor é a única pessoa a quem seu Fued não vai negar o pedido para emprestar o armazém de café.
Pimentel, que era um bom sujeito, líder natural, muito prestativo e que pensava sempre no bem da comunidade, dirigiu-se, então, até a venda do Fued:
Lá chegando, sabedor da batalha que teria que travar, espertamente jogou a isca:
– Boa tarde meu grande amigo libanês. Passei aqui para tomar um café e também para avisar que você já pode cobrar os fiados porque farei o pagamento dos empregados amanhã.
Fued estendeu um largo sorriso de felicidade e com aquela sua calma de sempre completou:
– Ahhhhhh que bom meu amigo, eu estava esperando por isso há dias.
Pimentel, depois do gole de café, crente na mordida da isca mandou:
– Fued, que coisa triste pra comunidade, né? O bar do Nicula fechou e esse ano, pelo jeito, não vai ter carnaval.
E Fued, naquela calma irritante:
– Ahhhh, que pena né Pimentellll. Até pra gente a notícia é ruim, porque caem as vendas de fevereiro.
– Pois é Fued, a comunidade encarregou-me de te pedir emprestado o armazém pros quatro dias de carnaval.
Fued sentiu o golpe, baqueou, não queria emprestar e ao mesmo tempo não queria negar o pedido do amigo trem pagador. E argumentou:
– Mas Pimentel, ainda tem lá umas duzentas sacas de café.
– Eu mando um caminhão da Sericícola ir lá retirar e armazenar na empresa.
– Mas Pimentel, além disso o armazém tá muito sujo e cheio de palha de café.
– Isso não é problema, eu mando limpar.
– Eu sei Pimentel, acontece que o telhado tem algumas telhas quebradas e se chover o pessoal vai se molhar.
– A gente compra umas novas e coloca no lugar.
E Fued negando pausada e educadamente;
– Pimentel, eu teria o maior prazer de emprestar, mas agora me lembrei que a Escelsa já cortou a energia.e pra religar tem que ir a Cachoeiro. Aí você sabe, né? Com a burocracia vai levar muito tempo prá religar.
Pimentel não deu trégua:
– Fued, eu tenho lá na empresa um grupo gerador.
Aí Fued, vendo que não tinha mais argumentos para negar, replicou com aquela calma de sempre:
– Olha Pimentel, eu vou emprestar só porque é você que está pedindo.
– Obrigado Fued, eu sabia que podia contar com você. A comunidade vai poder ter um carnaval maravilhoso graças a você, meu amigo!
Aí Fued se recompôs e disse:
Vou emprestar, mas com uma condição:
– Qual, Fued?
– Só não pode pular nem gritar!