Década de 1950, no vilarejo de Vargem Alta, então distrito de Cachoeiro do Itapemirim, ES, Felippe David, meu avô, árabe da gema, era o sócio majoritário da firma Irmãos David Comércio Ltda. Os outros dois sócios eram os seus filhos Emílio e Fued. O primeiro, típico árabe de sangue quente, a despeito do bom coração, era extremamente temperamental. Por isso, estrategicamente, era quem fazia as cobranças dos clientes. Já o Fued era manso como um cordeiro, gentil, educadíssimo e de fala pausada. Por isso era o responsável pelas vendas do comércio.
Passados vinte anos, com o crescimento da empresa, houve a necessidade de mudança da matriz para Cachoeiro, continuando a filial em Vargem Alta, sob a gerência de Fued.
Um belo dia Felippe pediu que enviasse o velho cofre para a matriz. Esse cofre era enorme, muito antigo, de ferro fundido e devia pesar quase meia tonelada. Por essa razão, o caminhão Ford da Cia seguiu junto com quatro empregados para Vargem Alta.
Gastaram duas horas e meia na ida, subindo a serra, por estrada de chão precária, em dia de chuva e de muito barro. Após cinco atolamentos, eis que o caminhão chega na venda de Fued. O pesado cofre só conseguiu ser colocado na carroceria do caminhão depois da ajuda de mais quatro funcionários da filial.
Mais duas horas de volta, descendo a serra, debaixo de temporal, deslizando no barro e o cofre, finalmente, chega a Cachoeiro.
Mais meia hora para descarregar e Felippe pergunta ao motorista:
– Ai lá Artur, cadê a segreda da cofre?
– Num sei não seu Felippe, seu Fued não me falou nada.
Felippe desesperou-se:
– Burra... burra... burra... Fued sempre foi burra. Como aquela mula esquece da segreda? E como eu vai a abrir a cofre? Ai lá, eu vai mandar matar Fued.
Na verdade, Fued não havia esquecido o segredo. O que aconteceu é que ele, durante vinte anos manuseando o botão do cofre com os dedos, frequentemente, gordurosos de manteiga, banha e trigo, acabou por entupir a escala de números. Ele não sabia mais o segredo original, tinha as suas próprias referências e estava com medo de dizer isso ao pai.
O caminhão teve que voltar para Vargem Alta para buscar o segredo. Entre ida e volta, mais cinco horas de sofrimento e o caminhão retorna com uma carta contendo o segredo:
– Querido papai, desculpa ter esquecido, segue, anexo, o segredo do cofre:
Quando Felippe David leu o anexo, quase teve um infarto:
– Filadabuta...não, agora eu não vai mais mandar matar Fued, eu mesma vai matar Fued.
Depois de ler o segredo, não restou a Felippe alternativa senão mandar o caminhão de volta com o cofre e os oito empregados a Vargem Alta. Enfrentaram, de novo, a terrível estrada com chuva e atolamentos para recolocar o cofre no mesmo lugar. Lá o neto Tuffy limpou, com chave de fenda, a escala engordurada do botão do cofre. Depois o genro João Luiz recodificou as referências de Fued para o acesso ao segredo original.
No anexo da carta enviada ao pai, que quase culminou com sua morte, estava escrito:
– Três voltas para o lado da casa da comadre Iracema. Para. Duas voltas para o lado da casa do falecido Sebastião Martins. Para. Mais três voltas para o lado da barbearia do Berico. Para. Uma volta para o lado da peça de chita. Pronto: abre a tranca.