Em entrevista coletiva concedida no sábado (13), o secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes de Medeiros Júnior, falou sobre os 100 dias de enfrentamento ao novo Coronavírus (Covid-19) no Espírito Santo. Confira os principais trechos:
Desafio
A pandemia desafia governos do mundo inteiro, a economia mundial, o sistema de saúde mundial, o perfil de cada líder. Aqui no Espírito Santo temos que administrar dentro de um contexto de país dividido, polarizado politicamente. A responsabilidade do enfrentamento à pandemia tem caído nos ombros dos governadores e prefeitos.
Decidimos, desde o início, preparar a rede de atenção à saúde e ainda em janeiro tivemos a primeira reunião, que debateu os assuntos advindos dessa nova doença que surgiu na China e crescia de maneira assustadora.
Organização da rede
Insistimos na importância de ampliar a rede para receber doentes, pois acertamos nas primeiras projeções, em quais seriam os ciclos iniciais do comportamento da doença no Estado, e essas projeções foram sendo atualizadas. Um conjunto grande de especialistas começou a se envolver.
Diante das análises feitas e subsidiadas pelo Governo do Estado, um conjunto de obras foi traçado para crescimento da rede. O Hospital Jayme dos Santos Neves, por exemplo, foi todo reorganizado internamente.
Segundo levantamento que fiz junto ao Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), o Jayme é o segundo maior hospital Covid-19 do Brasil em número de leitos, estando atrás do Hospital das Clínicas de São Paulo.
O Espírito Santo preparou-se com o melhor que tem em oferta assistencial e capacidade de organização da rede, para garantir não um cuidado improvisado, e sim planejado, utilizando os hospitais tradicionais para atender os pacientes.
Estamos diante de uma doença nova que exige de toda a equipe médica uma curva de aprendizagem e preparação para conhecer e dominar com segurança a assistência hospitalar dessa doença.
Reconhecimento nacional
Desde o início dos casos no Brasil construímos um plano de contingência que foi permanentemente atualizado, sendo elogiado até mesmo pelo Ministério da Saúde, diante do nosso protagonismo na preparação para atendimento aos doentes.
Recebemos elogios em relação a nossa Matriz de Risco, ao sistema de informação e-SUS Vigilância em Saúde, que desenvolvemos com apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o Painel Covid-19 para termos grau máximo de transparência na produção de dados e na distribuição desses dados para a população, órgãos de controle e imprensa.
Liderança
O governador Renato Casagrande constituiu uma importante estratégia de liderança em nosso estado, reunindo um amplo debate com os outros Poderes, com atores sociais e econômicos, academia, e todos passaram a fazer parte do conjunto do Centro de Comando e Controle e da Sala de Situação, dirigida pessoalmente por ele.
Distanciamento
Em 100 dias, tomamos medidas que ajudaram a melhorar o grau de distanciamento entre as pessoas. Saímos de uma média de 24% e mantivemos a média de 44% de distanciamento. Conseguimos estimular novos estilos de vida a partir da precocidade das nossas decisões.
Essas medidas ajudaram a modelar a rede de atenção, com a abertura de leitos, organização da Atenção Primária, da rede de urgência e emergência e a expansão de transporte hospitalar de pacientes graves, por exemplo.
EPIs
Realizamos grandes compras de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), que não se constitui em um problema da gestão dos hospitais, pois organizamos amplas compras, doamos aos municípios e abastecemos hospitais próprios. A atuação dos profissionais tem sido exemplar no enfrentamento dessa desgastante doença.
Apoio
O diálogo com o controle externo e social tem sido positivo. Cito aqui o Conselho Estadual de Saúde, organizações sociais, os Ministérios Públicos Estadual e Federal, Tribunal de Contas e a Assembleia Legislativa, que apoiaram todas as medidas do Governo para garantir que o Estado tivesse recursos para o enfrentamento da pandemia.
Também cito os sindicatos dos profissionais de saúde, Conselho de Medicina e também os parlamentares da bancada Federal, deputados e senadores, que disponibilizam elementos e recursos e mantêm diálogo constante com o nosso governador.
Lacen
No dia 5 de março tivemos o primeiro caso positivo divulgado no Espírito Santo. Em uma semana o nosso Laboratório Central (Lacen/ES) começou a realizar o RT-PCR em tempo real e estamos alcançando a meta diária de mil testagens/dia. Nesta semana encerramos todas as amostras represadas.
O Lacen tem tido uma capacidade excepcional de processamento. E parabenizo os seus técnicos, pela atuação, em nome do povo capixaba. Hoje temos mais de 130 mil kits PCR disponíveis, temos um conjunto grande de testes rápidos sendo distribuídos para os municípios e somos um dos estados do país que mais testa.
Temos critérios de testagem ampliada. Não testamos apenas pacientes graves, como a grande maioria dos estados do Brasil. Temos critérios clínicos e epidemiológicos, protocolos explícitos e científicos para o manejo ambulatorial e hospitalar dos pacientes.
O momento que vivemos agora é de grande acúmulo do número de casos ativos, de crescimento da pandemia no interior e na Grande Vitória, e será fundamental a ampla capacidade de testagem do nosso Laboratório Central. Conseguimos não depender somente do envio por parte do Ministério da Saúde dos kits de extração e reação.
Inquérito Sorológico
O Governo do ES comprou diretamente kits de extração e reação, organizamos mais equipamentos para poder testar mais e temos avançado – e muito – na capacidade de diagnóstico do nosso povo com um componente estratégico para a realização dos diagnósticos.
O Inquérito Sorológico foi uma decisão acertada, pois testar por si só não resolve. É preciso medir e receber um dado qualificado para termos conclusões científicas.
Trata-se de uma estratégia de testagem em massa dentro de uma metodologia científica na casa das pessoas, com capacidade de projetar estatisticamente qual é a presença da doença em nosso Estado e qual é a força de transmissão entre um ciclo e outro da coleta. Conseguimos produzir um dos melhores inquéritos sorológicos do Brasil.
Subsecretaria
Quero parabenizar nossa recém-criada Subsecretaria de Vigilância em Saúde, em nome do subsecretário Luiz Carlos Reblin, e toda a equipe técnica que tem conduzido esse processo de maneira brilhante. Se nós errarmos na vigilância em saúde nós erramos em toda a estratégia. Ter criado essa subsecretaria e dado um lugar institucional para ela é um fator de proteção e uma força grande no enfrentamento da pandemia do nosso Estado.
O sistema de notificação de agravos, o e-SUS Vigilância em Saúde, desenvolvido com apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), é um importante sistema de produção de dados. Hoje, o cidadão pode acessar o Painel Covid-19 ES com informações alimentadas às 17 horas diariamente, com transparência no número de óbitos, incidência nos bairros e letalidade por município, por exemplo.
Hospitais e leitos
Mudamos o perfil de hospitais por meio de portaria específica, ampliamos o quantitativo de leitos Covid e mantivemos os leitos para não-Covid. Avançamos em contratualização, por exemplo, na Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Hospital Universitário, Clínica dos Acidentados, Hospital da Associação dos Funcionários Públicos. Reposicionamos toda a rede de atenção à saúde hospitalar com expansão de até 1.600 leitos, que representam 13 hospitais de campanha de 120 leitos cada.
Os hospitais de campanha constituem-se em uma falsa polêmica do papel que eles poderiam ter para evitar o risco extremo. Temos uma oferta adequada de leitos por características próprias da doença e por haver um limite de expansão no número de leitos de UTI por conta de recursos humanos e equipamentos. Por isso poderá haver pressão assistencial e chegarmos a até 91% de ocupação de leitos e ter que aplicar a Matriz de Risco e decretarmos o Risco Extremo.
O estado de Minas Gerais, neste momento, tem disponível para Covid pouco mais de mil leitos de UTI, isso em um estado de dimensões populacionais e territoriais muito maiores do que o Espírito Santo.
A expansão que o Espírito Santo fez para atender o povo capixaba e pacientes críticos foi extraordinária e só aconteceu porque nós temos uma liderança firme e forte que nos empoderou e nos deu condições de tomar decisões quando muita gente ainda não entendia a real dimensão da doença em nosso Estado, que é a liderança do governador Renato Casagrande. Agradeço ao governador pela honra que me deu de enfrentar, sob a liderança dele, todo esse processo.
Nossa rede de urgência e emergência passou por modificações também. O tempo de espera dos nossos pacientes nas UPAs e PAs reduziu em comparação ao período anterior à pandemia. Aumentamos a quantidade de ambulâncias para remoção de transporte hospitalar, expandimos o SAMU 192, aperfeiçoamos todo o mecanismo de regulação do paciente.
A Atenção Primária foi desafiada. Temos experiências exitosas de organização da atenção básica no nosso Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação (Icepi) com o programa de provimento de formação Medicina de Família e Comunidade.
Agradeço o apoio e empenho dos secretários municipais de saúde que têm trabalhado diariamente para organizar a realidade de seus municípios.
Estamos organizando uma agenda de resposta rápida da Atenção Primária em Saúde para o enfrentamento ao Covid para haver melhor notificação, melhor diagnóstico, melhor monitoramento, melhor avaliação e de bloqueio da transmissão nos bairros de maneira que a gente consiga reposicionar a atenção básica para uma agenda de retomada das atividades após pandemia. E precisamos reposicionar para organizar melhor novos surtos de Covid que possam surgir no Estado.
Estudos
Temos muitas dúvidas para o futuro. Não sabemos ainda o papel da imunidade seletiva, da imunidade específica, da imunidade cruzada, da potência do sistema imune das pessoas, de qual o tamanho da população que, de fato, precisa ser exposta ao vírus para que a gente consiga ter uma estabilização do avanço da doença.
No entanto, todos os recursos científicos para poder entender e interpretar essas questões estão em andamento no Espírito Santo e no mundo, para que a gente consiga o mais rápido possível sair dessa pandemia.
Sesa
O esforço de toda a equipe da Secretaria e dos municípios permitiu alcançar resultados importantes, como na campanha de vacinação contra a gripe, iniciativa importante para que a equipe médica tenha o olhar acertado para os sintomas do paciente. Fomos um dos primeiros estados brasileiros a alcançarmos a meta de vacinação. Construímos fundamentos que vão nos permitir avaliar essa pandemia talvez como nenhum outro estado brasileiro tenha.
A implantação do e-SUS VS permite aos profissionais da saúde compreenderem a dinâmica dessa doença e conduzi-la de maneira adequada, além de nos prepararmos para o futuro com as doenças que a gente já convive diariamente, como dengue, zika, Chikungunya e sífilis.
Vamos poder estudar da mesma forma que estudamos o coronavírus. A tecnologia será nossa aliada. E estamos nos preparando para trabalhar com uma tecnologia de comunicação entre equipes de saúde e o especialista, que chamamos de regulação formativa, que será um passo imenso para passarmos a atender em um novo formato no Espírito Santo.
Mas ainda não vencemos a Covid-19. A única vacina que temos no momento é ficar em casa, sair somente se necessário. Temos que reduzir a circulação. Faço um apelo: faça a sua parte; fique em casa.
Ademir Ribeiro - Secom/ES
Nésio Fernandes: “Aqui no Espírito Santo temos que administrar [a pandemia] dentro de um contexto de país dividido, polarizado politicamente”